O denominador comum do associado do Ministério Público Democrático deve ser o respeito, o norte pacificador, a temperança, o equilíbrio e o senso democrático. A definição foi dada pelo procurador Roberto Livianu, associado que já presidiu o MPD por cinco mandatos, na primeira de uma série de entrevistas com ex-presidentes da entidade para um balanço – nesse 2021 o MPD completa 30 anos.
Livianu conta que se sentiu atraído ao MPD pela atuação da entidade em prol dos Direitos Humanos. “Isto me permitiu me tornar uma pessoa com uma visão de mundo mais ampla, sensível e mais humanizada”, afirma. O procurador ressalta como legado de seus mandatos as campanhas de comunicação 20 anos da Constituição, cujos filmes foram veiculados nacionalmente na TV Globo durante 2 meses, o Programa de TV Trocando Ideias, que ficou 11 anos no ar na TV Justiça tendo se constituído num permanente espaço de discussão democrática e difusão social de informações, e a estruturação do o 4º o 5º Congressos Nacionais, que moldaram os seguintes.
Sobre o Ministério Público em si, Livianu ressalta que a independência total da entidade ainda esbarra no sistema de escolha do Procurador-Geral da República. “Uma solução que preconizo: votação uninominal pelos membros do MP e o mais votado seria sabatinado pelo Legislativo com participação da sociedade civil, que poderia rejeitar a indicação de forma fundamentada com quórum qualificado de 2/3”, detalha.
Em um momento que o Brasil passa pela maior crise sanitária do século por conta da pandemia do Covid-19, Livianu afirma que o papel do MP nesse cenário é estimular o debate sobre a vacinação, “caminho imprescindível para proteção da sociedade”.
Leia abaixo a entrevista completa:
MPD — Por quais motivos resolveu ingressar no Ministério Público, quais objetivos o impulsionam?
Roberto Livianu — Sempre tive, desde adolescente, sede por justiça social e quando comecei a cursar Direito na USP, em 1986, já tinha uma inclinação a seguir carreira pública, que, sem perceber, era o Ministério Público. Isto se tornou claro quando tive a oportunidade de viver o MP em 1990, sendo estagiário do então promotor e hoje Ministro do STJ Antônio Herman Benjamin, na Promotoria Criminal de Santo Amaro, onde percebi com convicção que nasci para ser promotor de Justiça. Porque sempre acreditei que o sentido da vida é deixar o mundo melhor que o encontramos e acreditei e continuo acreditando que o MP tem meios para isto. O dinamismo, o poder de iniciativa, a independência, a alma, a essência democrática do MP me fascinaram e continuam me fascinando.
MPD — A carreira no Ministério Público tem correspondido às expectativas? Recomendaria aos estudantes de Direito?
Roberto Livianu — Bem verdade que os sonhos são muito maiores do que as possibilidades reais. No entanto, conservo o mesmo amor pelo MP, que nutria quando ingressei, há quase 29 anos, em 29/06/1992. Eu penso que muitas remodelações são imprescindíveis, para tornar o MP mais eficiente e proativo, dedicando-se, de verdade, por exemplo, e minimizar a grave desigualdade social em que vivemos. Mesmo assim, para quem acredita nesta causa, de lutar pela defesa da sociedade, em defesa da ordem jurídica e do regime democrático, recomendo sim. Mas advirto desde já que muitas serão as dificuldades, especialmente no início e extremamente pedregoso será o caminho.
MPD — Quais são os maiores desafios da profissão?
Roberto Livianu — O começo é difícil, até se adquirir o jeito para fazer o trabalho, a embocadura e muitas vezes é necessário saber o que fazer em momentos de solidão. Além disso, não é fácil viver longe de casa, das raízes, o que se exige de muitos. Outras tantas vezes há conflitos duros e pesados com magistrados e advogados, que absorvem muita energia nos processos. O respaldo operacional por parte da Instituição é muito aquém do ideal, especialmente em matéria de segurança, meios materiais. Os recursos disponíveis no orçamento anual cada vez são mais escassos.
MPD — Falando como promotor e procurador de Justiça: a instituição do MP já tem a autonomia que necessita ou isso ainda precisa ser conquistado?
Roberto Livianu — Esta é uma luta de todos os instantes. Basta observar, por exemplo, a recente lei de abuso de autoridade, que humilha membros do MP e da magistratura que cumprem seu dever, reabilitando norma que não vigorava desde a Revolução Francesa, que desrespeita a independência judicial e do MP em relação à livre interpretação da lei. Além disso, o Procurador-Geral de Justiça nos Estados é escolhido a partir de lista tríplice, mas muitas vezes o segundo ou terceiro da lista, derrotados, são nomeados. A nível federal, nem lista formal existe. É necessário avançar neste terreno, para trazer mais transparência e segurança para a sociedade. Uma solução que preconizo (que poderia ser utilizada tanto a nível estadual como federal): votação uninominal pelos membros do MP e o mais votado seria sabatinado pelo Legislativo com participação da sociedade civil, que poderia rejeitar a indicação de forma fundamentada com quórum qualificado de 2/3.
MPD — Falando, agora, do MPD, conte-nos como foi sua filiação, o que o levou a participar da associação?
Roberto Livianu — Sabia da existência do MPD, conheci alguns aspectos da atuação e fui convidado a me filiar em 1997, quando comecei a participar, tendo aprendido muito no convívio cotidiano com colegas extraordinários – especialmente a querida Inês Büschel. Senti-me atraído pela atuação em prol dos Direitos Humanos. Aprendi a admirar o MPD cada vez mais. Isto me permitiu me tornar uma pessoa com uma visão de mundo mais ampla, sensível e mais humanizada. Além de Inês, Airton Florentino, Visconti, Mário Papaterra, Anna Trotta, Valderez entre outros.
MPD — Qual a importância da criação e existência do MPD, e como a entidade contribui para a redemocratização do país?
Roberto Livianu — Europa, na década de 1960, vivia um processo de profundas transformações políticas. À medida que as ditaturas eram derrubadas por movimentos democratizantes, no campo da justiça, começou a brotar o movimento associativista democrático, pregando o Direito mais conectado ao povo, mais respeitoso ao Pacto dos Direitos Humanos. Grupos de juízes e membros do MP preocupados com efetividade da justiça, sem conexão a qualquer viés corporativista a direitos destes profissionais. A primeira associação com estas feições foi a Magistratura Democrática, fundada na Itália em 1964, reunindo magistrados judiciais e do MP com o eles denominam. Depois veio o Syndicat de la Magistrature de la France, em 1968 e sucessivamente. O movimento se consolidou na Europa, tanto que em 1985 surge a MEDEL – Magistrados Europeus pela Democracia e Liberdades – ente continental. Este processo acabou se disseminando e influenciando a fundação da AJD – Associação Juízes para a Democracia e o MPD, em 1991. Três anos após a Constituição, o MPD foi alavanca de sedimentação deste novo estado de coisas, especialmente no âmbito interno do MP de São Paulo, que vivia uma crise sem precedentes em virtude de uma forte ligação de dezenas de membros do MP com o Governo do estado, todos afastados da carreira, atuando no Governo. O MPD, desde seu nascedouro, participou de causas relacionadas à redemocratização, articulando-as, enaltecendo-as, propalando-as como a reforma política, igualdade de gêneros, combate à corrupção eleitoral, entre outros temas.
MPD — Quantos mandatos exerceu na presidência da entidade, e em quais períodos? Lembra quem foram seus antecessores e sucessores?
Roberto Livianu — Cinco mandatos. 2007-2008; 2008/2009; 2010/2011, 2013/14 e 2014/15 – este último seria de 2 anos, a partir de mudança dos estatutos, mas renunciei à presidência em julho de 2015 em face da fundação do Instituto Não Aceito Corrupção; fui sucessor de Anna Trotta Yaryd e Alexander Martins Matias e tive como sucessores Claudionor Mendonça dos Santos e Laila Shukhair.
MPD — Quais foram as principais marcas das suas gestões que o senhor destacaria?
Roberto Livianu — As campanhas de comunicação 20 anos da Constituição, cujos filmes foram veiculados nacionalmente na TV Globo durante 2 meses, com a edição do livro e exposição que ficou no metrô durante 2 meses; Programa de TV Trocando Ideias, que idealizei e construí e que foi para o ar junto com a TV Justiça tendo durado 11 anos, sendo premiado e tendo se constituído num permanente espaço de discussão democrática e difusão social de informações; o 4 e o 5.o Congressos Nacionais, que moldaram os seguintes.
MPD — Conte sobre a campanha “Não aceito corrupção”, como foi realizada e quais suas consequências?
Roberto Livianu — O Brasil vivia o drama do Mensalão e o conceito da campanha, concebida em 2012 era mostrar à sociedade brasileira as consequências danosas e erosivas decorrentes da corrupção. Conseguimos compor uma parceria forte envolvendo a TV Globo, produtora O2, Ferreira Martins e a Futura Propaganda. O resultado foi uma ação altamente impactante, que foi veiculada nacionalmente a partir de maio de 2012. Tinha uma relação muito estreita com Luís Erlanger da Globo e pedi a ele que colaborasse conosco com a imagem de um global. Ele nos mandou nove estrelas da novela das 9: Fernanda Paes Leme, Flávia Alessandra, Murilo Rosa, Oscar Magrini, Leticia Spiller, entre outros. A imagem de Fernanda Paes Leme no Instagram com a camiseta da campanha foi trending topic. Em junho daquele ano, fui entrevistado pelo Jô e no final do mesmo ano, a Transparência Internacional fez sua conferência internacional bianual no Brasil, com participantes de 140 países presentes, o que nos permitiu disseminar o conteúdo para o mundo, já que consegui um patrocínio para legendar os vídeos da campanha em inglês. Assim, o que se imaginou ser ação de curta duração, desdobrou-se pela demanda da sociedade e este crescimento acabou ensejando a fundação do Instituto Não Aceito Corrupção em julho de 2015.
MPD — Como o MPD pode contribuir no debate nacional nesse momento da maior crise sanitária do século?
Roberto Livianu — Estimulando o debate sobre o tema, disseminando corretas informações sobre ele, especialmente a imprescindibilidade da vacinação coletiva como caminho imprescindível para proteção da sociedade, números da vacinação no mundo; além disto enaltecendo a importância da transparência como ferramenta vital para lidar a crise e informando as pessoas sobre os caminhos sobre as denúncias sobre corrupção relacionada à pandemia ou desvios de vacinas.
MPD — Como organizar um movimento de classe com pessoas que têm ideologias políticas diferentes em um momento de polarização? Qual o denominador comum que o associado do MPD deve ter?
Roberto Livianu — Nos tempos atuais, justamente este é um desafio dos mais difíceis, frente aos baixos graus de tolerância em relação às opiniões divergentes. O denominador essencial é justamente o respeito, o norte pacificador, o debate incansável permanente com garantia da palavra a todas e todos, a temperança, o equilíbrio, o senso democrático, a demonstração clara no sentido de acolher e respeitar as diversas opiniões, garantia de espaço para as minorias, preocupação permanente com a diversidade e equilíbrio de gênero.
MPD — Se tivesse o poder de ser legislador por um dia, mudaria algo na Lei Orgânica do MP?
Roberto Livianu — Instituiria aquela regra que mencionei, garantidora da autonomia, além de estabelecer que os nove Conselheiros seriam eleitos por todos os membros da carreira.
MPD — Qual deve ser o papel do MPD no presente e no futuro?
Roberto Livianu — Propulsor permanente de uma rediscussão do Ministério Público e de seus papéis no seio da sociedade, visando uma revolução cultural; aproximação permanente do MP em relação à sociedade, com ela dialogando e interagindo, além de mostrar sempre o que faz em benefício da sociedade. Tirar o MP da acomodação, da zona de conforto, propor novos caminhos, modernizações para que seja proativo, resolutivo, menos demandista. Realizando Congressos e ações estratégicas de comunicação.
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